“É preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte” cantava a cantora baiana Gal Costa em “Divino Maravilhoso” (1969), no seu primeiro disco solo. Dali seguiu-se uma carreira memorável que a consagrou como uma das maiores vozes da música popular brasileira. Parte dessa história se encerrou na manhã de quarta-feira, 9. A cantora faleceu aos 77 anos, de causas ainda desconhecidas. Ela deixa o filho Gabriel, de 17 anos, que inspirou o seu 40º álbum e último de inéditas, “A Pele do Futuro”.
Gal Costa já havia dado uma pausa em shows recentemente, após passar por uma cirurgia para retirar um nódulo na fossa nasal direita. Além de rodar o Brasil, Gal vinha entrando na programação de vários festivais de música e ainda tinha uma turnê na Europa prevista para novembro. A cantora era uma das atrações do festival Primavera Sound, que aconteceu em São Paulo no último fim de semana, mas teve sua participação cancelada de última hora, devido à cirurgia.
A turnê atual da baiana trazia o show “As várias pontas de uma estrela”, no qual revisitava grandes sucessos dos anos 80 do cancioneiro popular da MPB. Foi com a turnê, inclusive, que Gal esteve pela última vez em solo gaúcho, com um show no Salão de Atos da PUC-RS, em Porto Alegre, em novembro de 2021.
ATEMPORAL
Cantora, compositora e multi-instrumentalista, Gal Costa nasceu em 26 de setembro de 1945 em Salvador, Bahia. Quando estava grávida, a mãe – e grande incentivadora – de Gal passava horas ouvindo música clássica. Foram 57 anos de carreira, iniciada em 1965, quando era balconista de uma loja de discos, e foi apresentada a Caetano Veloso. A primeira gravação foi em grande estilo: no disco de estreia de Maria Bethânia. Aliás, com Bethânia, Gilberto Gil e Caetano formaria brevemente o grupo “Doces Bárbaros”, mais tarde.
Em 1971, realizou um dos shows mais importantes da música brasileira, que gerou o disco considerado por muitos críticos como o mais importante de sua carreira, o “Fa-Tal / Gal a Todo Vapor”, que traz grandes sucessos como “Vapor barato” e “Pérola negra”. Ela seguiu gravando várias músicas de Gilberto Gil e Caetano Veloso, que viraram sucessos na sua voz, como “Força Estranha”, mas foi incluindo no repertório versos de outros compositores como Cazuza e, até mesmo, Marília Mendonça, em 2018.
Gal deu voz a clássicos atemporais que entraram para a história da MPB, como “Baby”, “Meu nome é Gal”, “Chuva de Prata”, “Meu bem, meu mal”, “Vaca Profana” e “Barato total”. Também imortalizou a versão de “Modinha para Gabriela”, de Dorival Caymmi, na abertura das duas versões da novela.
Um pouco da vida de Gal Costa poderá ser conferido em um filme previsto para ser lançado em 2023. O longa “Meu nome é Gal”, gravado em São Paulo, traz a atriz Sophie Charlotte interpretando a cantora.
REFERÊNCIA
Para o escritor e produtor cultural santa-mariense Márcio Grings, Gal era uma presença feminina transgressora, intérprete que passou a ser uma referência quase imbátivel, uma das forças motrizes dos Doces Bárbaros e protagonista de músicas que fazem parte da cartilha básica da MPB:
– Quando penso nela, lembro sempre de “Negro Amor”, versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para um sucesso de Bob Dylan, tema que mostra todo o poder de fogo de Gal Costa em imprimir sua marca inimitável. Que semana terrível para a música brasileira, Bebeto Alves e Gal partem quase juntos.
A cantora Paola Mattos conta que Gal sempre foi inspiração em todos os sentidos; com a atitude, a ousadia, e a coragem de ser a artista que foi:
– A voz, inconfundível, sempre foi um instrumento completo. A MPB perde uma das maiores hoje. Que a gente sempre se lembre de aproveitar quem ainda tá aqui enquanto há tempo.
O produtor cultural e musical Sandor Mello também mencionou a semana difícil para a música brasileira, que já teve a notícia da morte de Bebeto Alves na segunda-feira, 7, e conta que, para ele, “Força Estranha” é uma das mais lindas músicas que Gal gravou:
– Eu me lembro a primeira vez que ouvi “Força Estranha”. Me abriu uma outra dimensão. A voz de Gal é uma das mais importantes do Brasil, desde a Tropicália, passando pelo movimento da MPB. Ela também puxou muitas pessoas para o sucesso, como intérprete. A ramificação da arte dela se torna a própria musica brasileira. Além de ter sido a voz política de muitos exilados na época da ditadura. Com certeza, a grande obra fica.
A cantora Evelíny Pedroso reforça que, no Brasil, existe um time de mestres da música e da interpretação, cuja experiência permite que a cada fonema expressado seja uma aula de arte. Para ela, Gal Costa sempre esteve nesse time, desde os Doces Bárbaros.
– Pra mim, a Gal foi sempre referência de atitude e representatividade no que diz respeito a liberdade, sensualidade. A Gal eternamente será um compacto de beleza em som, imagem, riso, delicadeza e tropicalismo – finaliza.
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